Um pouco de história



 Luzmarina, filha de Carmito, oferecia flores quando chegava...



Ando por Igatu, na Chapada Diamantina da Bahia, desde 1969. 
Lá se vão 40 anos...
Fui fotografar para uma reportagem no Jornal da Bahia, de saudosa memória, sobre questões ligadas ao garimpo e lapidação de diamante.
Lá encontrei uma vila de beleza especial, em seu declínio; 
e um povo único em sua dignidade e generosidade na necessidade.

Era o momento muito difícil para a vida daquelas pessoas.
O diamante fácil e abundante que havia atraído a civilização do garimpo, acabara. Quem podia, emigrara para as cidades grandes, 
abandonando casas de moradia e de comércio.
Quem não, quedou-se quieto, entre as ruinas,
labutando duramente de duas maneiras para sobreviver: 
da cata e venda das semprevivas; 
e perseguindo as aleivosias* dos raros diamantes nas serras e nas casas abandonadas, derrubando as paredes de adobe e lavando o barro. 
Sobraram as casas construídas com pedras. A cidade "fantasma"

O cactus conhecido como xique-xique
– de onde veio o nome original da vila: Chique Chique – 
era um dos pratos básicos da culinária de sobrevivência. 
Hoje, junto com a palma e o godó de banana verde, 
é considerado uma iguaria pelos turistas.

Voltava sempre que podia. 
Me afeiçoei, fiz dela minha aldeia, e ela me acolheu.
E os amigos: Carlos Monteiro e suas irmãs, 
Guina, seu Arlindo, Tonho de Anacleto, seu Otávio, ...
Fotografei muito em p&b: as casas da vila, as ruínas da praça principal, as semprevivas, as crianças, os adultos, as pessoas mais velhas. 
Um pouco a cores. Quando chegou a energia elétrica, em 1982, 
mostrei duas bandejas de slides na parede do mercado.
Diziam: só assim pra ver como nossa terra é bonita...
Em 1984, passei uns 15 dias por lá com meus filhos. 

Depois, levei 18 anos sem voltar. E sem fotografar.
Muitas mudanças na vida. De fotógrafo profissional, virei terapeuta e, 
anos depois, comprei uma pequena câmera digital de brincadeira.

Em 2002 voltei a Igatu e - encantado com as mudanças para melhor da vila, com a nova vitalidade e, junto com novas possibilidades de trabalho, certa abundância trazida pelo turismo - comprei um pedaço de terra e lá fiz a casa com ajuda de Chiquinho e seus filhos e voltei a fotografar. Ainda não parei.


Em 2005, a Galeria Arte & Memória, com a curadoria de Marcos Zacariades, publicou o calendário Igatu Documento Década de 70
com fotos panorâmicas da vila, 
e produziu a exposição Dignidade e Gratidão 
com as minhas fotos mostradas na vila e na galeria.

Foi minha retribuição ao acolhimento recebido. 
O impacto foi grande: as crianças da década de 70 eram ao adultos de 2005. Muitos dos adultos retratados e expostos já eram memórias queridas. 
Cada família recebeu cópia da foto de seus parentes.
Nem todos lembravam da vila antiga. E a mudança era muito clara. 

Um salto quântico, de um século a outro.
Quem garimpava, agora guiava os turistas, construia as novas casas 
e aprendia a cuidar do patrimônio cultural e ecológico.
A mudança aparecia inclusive no ato de fotografar: com as câmeras digitais nas mãos, os moradores hoje fotografam o que querem e postam na internet.

E  minhas fotos mudaram junto: digitais, a cores e com foco na natureza. 
No início eram apenas cópias da natureza. Belas, mas cópias.

Queria ir além. Buscava algo novo, 
além da normalmente bela aparência da flora e das paisagens da Chapada.
Assim, em janeiro de 2010, vem à luz a nova série:

A nova flor do cactus
São fotos trabalhadas no computador e impressas em papéis especiais.
A inspiração veio em um sonho onde sonhava com um cactus exuberantemente florido 
com flores e cores inusitadas. Nada cactáceas.
Um pormenor chamava a atenção no cactus: 
seus novos ramos brotavam das pontas de chaves  de metal 
enfiadas no tronco principal. 
Aquelas estranhas e incongruentes chaves de metal eram as sementes 
e as portadoras da nova vida e da nova visão da natureza, 
plantadas na na vida anterior.
Assim nasceram as novas flores do cactus.
Me perguntam: Mas é fotografia mesmo? É arte? É pintura? 
É aquarela. Isso é gravura?  Decida...
São mais de 100 novas fotos. E mais vão nascendo...

Em algum momento, postarei algumas das fotos da década de 70

*Aleivosias: crença em sinais, de luz geralmente, que indicam a presença e o chamado do diamante